Com
raras exceções, o perfil do ESTUPRADOR DE OUVIDO é: óculos escuros, boné com a
aba virada para trás, ou chape de boiadeiro, pilotando lata velha, mas com som
potente; pilotando camionete de agroboy ou cowgirl com pai rico, carrão com vidros
totalmente escuros; moto tunada, com escapamento muito barulhento. Esse é o
tipo de cidadão (sic) que, constantemente, está envolvido em casos de consumo e
tráfico de drogas, acidentes fatais de trânsito, sequestro, roubo, estupro, porte
ilegal de armas, assassinato e o que há de pior na nossa sociedade. Mas,
estranhamente, essa espécie circula livremente, pelas ruas de Campo Grande-MS,
estuprando os ouvidos das pessoas civilizadas, com o lamentável aval de parte
das polícias e das autoridades responsáveis (sic).
É
incompreensível e inadmissível que a maioria de nós não consiga andar meio
quarteirão sem cair em uma blitz, caso não tenhamos pagado nosso IPVA e caso
não tenhamos pagado para licenciar nossos veículos. Mas, o ESTUPRADOR DE OUVIDO,
esse espécime raro da humanidade, consegue circular pelo estado de MS inteiro,
estuprando os ouvidos das pessoas civilizadas, gozando de “imunidade”, em diversos
níveis e em diversas esferas, face à incompetência, omissão e negligência das
polícias e de outros órgãos e agentes públicos (sic) de Mato Grosso do Sul no
combate à poluição sonora veicular.
Mais
triste ainda é ver delegados de polícia e outros, chamados técnicos da área de
Engenharia, Arquitetura, Segurança e Ambiental, posando de papagaios de pirata
em campanha de políticos embusteiros que se elegeram com discurso ambiental e
comunitário, mas que trabalham em favor da legalização do barulho. Ora, esses deveriam ser os primeiros a
defende intransigentemente, a LEI DO SILÊNCIO e a qualidade de vida de quem
pede tão somente sossego e tranquilidade no próprio lar.
Se
professores não conseguem, em sala de aula, impedir que alunos fânkeyros usem
boné com aba virada para trás, usem fone de ouvido e ouçam fânkye pornográfico
e sertanojo dentro da escola, a situação extrapolou os limites da Música, Psicologia,
da Pedagogia, da Didática e os limites do espaço físico da escola. Passou para
a esfera policial, penal, jurídica. Mas, lamentavelmente, esses setores são
incompetentes, omissos e negligentes no combate à poluição veicular e aos danos
correlatos que a envolvem.
Dias
atrás, no cruzamento da avenida Orla com avenida Salgado Filho, não satisfeito
em ter me dado um fechada próximo à loja de Gilmar Bicicletas, um agroboy parou
no semáforo seguinte, abaixou os vidros pretos do carro, aumentou ao máximo o
volume do seu possante, riu na minha cara e ainda me falou um monte de
palavrões. Tudo isso foi assistido por um PM fardado e armado, que estava numa
moto particular. O policial se fez de surdo e cego. E o agroboy me seguiu até a
avenida Bandeirantes, dando novas fechadas no meu carro e gritando que se eu
fosse “homem”, eu desceria do carro e o enfrentaria.
Estranhamente,
ninguém escuta música clássica em ato volume e tenta obrigar outros a ouvirem
junto. Mas os fânkeyros, os pagodeiros e os sertanojos, praticam a violência
de estuprar os nossos ouvidos, e ninguém reage. A Constituição da República
Federativa do Brasil (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm),
aprovada em 1988, diz que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a
Cidadania e a Dignidade dos Humanos. Diz, também, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei”; e, diz, ainda, que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante”. A Carta Maior e outros instrumentos legais estão repletos de
conteúdo que deveriam assegurar o nosso direito ao silêncio, ao sossego e à
tranquilidade, e não de sermos obrigados a consumir o lixo sonoro de outrem.
Mas, falta quem lhes dê provimento e faça com que os agentes públicos executem
sua função corretamente.
Enfim, cada um
tem o direito de ouvir o que bem entender. Só não tem o direito de obrigar
pessoa alguma a ouvir junto. O silêncio é (teoricamente) um patrimônio publico
defendido por lei e deveria (supostamente) ser respeitado
obrigatoriamente. Mas, como vivemos em
uma democracia incipiente... sobe o som...
Mário Márcio da Rocha Cabreira
Professor de Língua Portuguesa. MEC 0087.
Técnico em Assuntos Educacionais na UFMS.