segunda-feira, 15 de março de 2021

TOMATES, LIXÕES E DIPLOMAS

É verdade essa história.

Certa vez, fui fazer teste para trabalhar como repórter na TV Morena, afiliada da Rede Globo, em Campo Grande-MS. Nada contra fazer teste, mas o problema são alguns ‘testadores’. Entre eles, um gaúcho, formado em MG, com sotaque de “carioco”, o qual sem conseguir emprego por aquelas bandas, veio parar aqui no macrocurral, também conhecida como grande fazenda iluminada. E virou chefe de reportagem naquele canal.

Pois bem, o recém-formado em Jornalismo e cheio de preconceitos, empáfia, presunção, prepotência, arrogância e por aí vai... encarregou-se de me aplicar o tal teste. Pediu-me que fosse à Central de Abastecimento (Ceasa), na saída para Cuiabá, a fim de fazer uma matéria sobre alta de preços dos produtos.

Fomos à Ceasa, fizemos a reportagem, voltamos à emissora, editamos o material, que foi mostrado para toda a redação. Em seguida, fui chamado à sala do dito cujo, o qual se dirigiu a mim, nos seguintes termos:

”Márcio Cabreira, tu fizeste uma matéria muito boa. Mas, cometeste uma gafe. Tu disseste no teu texto que tomate é fruta”.

Indaguei se tomate não era fruta, então o que era. Ele gaguejou, engasgou e disse “Não sei o que é. Só sei que não é fruta”. Recorreu, então, a folhear um big dicionário Aurélio que havia na redação, em busca de socorro. Encontrou algo parecido com isso “Significado de Tomate. substantivo masculino [Botânica] O fruto oriundo do tomateiro, muito utilizado na culinária; possui inicialmente a coloração verde, mas, quando maduro, pode ser encontrado com o aspecto vermelho ou amarelado. [Botânica] Do mesmo significado de tomateiro” (www.dicio.com.br). 

Mas, não te preocupes, apesar de tua gafe, estás aprovado no teu teste. Discussão encerrada.

Apesar de jornalista não-diplomado, eu já era reconhecido e  com registro profissional (DRT-MS 109), pela longa experiência em serviço. Eu também era professor de Redação em Língua Portuguesa (MEC-LP 87/94).

O fato de ter contestado a sapiência do recém-formado me rendou anos e anos de castigo, destinado a cumprir pautas somente na Ceasa, de madrugada, e nos lixões da cidade. Saber que tomate era fruta me custou caro no exercício da profissão naquela época.

Anos depois, na condição de ‘sabujo do patronato’, como diria Dr. Celso Pereira, aquele mesmo chefe de reportagem tentou furar a greve promovida pelo Sindicato dos Radialistas. Ele foi flagrado tentando levar um recado da direção da Morena, para os cinegrafistas da emissora, que eram a base para a manutenção da greve. Os cinegrafistas aceitaram conversar com um dos diretores da emissora, já falecido, que os levou a uma churrascaria, pagou almoço, uísque e tudo o mais. Assinou um acordo de aumento, num guardanapo de papel, com os meninos. Evidentemente, tal acordo nunca foi cumprido.

Esse mesmo “geniozinho do jornalismo guaicuru, importado” é hoje assessor político em Brasília e vive de fazer entrevistas-jabás, bajulando os corruptos da capital federal. Nunca fez e nunca fará jornalismo de verdade, o que exige caráter, mais do que apenas formação teórica nos bancos das faculdades.


Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Repórter Capixaba. Disponível em: http://www.reportercapixaba.com.br/crise-economica-diminui-geracao-de-lixo-pela-primeira-vez-em-13-anos. Acesso em: 15mar2020.

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RIQUEZA DO CONHECIMENTO

DIPLOMADOS E NÃO DIPLOMADOS


[...] Num sentido profundo, as competências dos indivíduos são únicas, ligadas a seu trajeto de vida singular, inseparáveis de um corpo sensível e de um mundo de significações pessoais. Isto é e continuará sendo verdade. Todavia, para as necessidades da vida econômica e social, mas igualmente para a satisfação simbólica dos indivíduos, essas competências devem ser identificadas e reconhecidas de maneira convencional. A necessidade de reconhecimento e de identificação é tanto mais premente na medida em que [...] competências e conhecimento são hoje a fonte da maior parte de riqueza. Ora, o modo clássico de reconhecimento dos saberes – o diploma – é ao mesmo tempo:

- deficiente: nem todos têm diploma, embora cada um saiba alguma coisa;

- terrivelmente grosseiro: as pessoas que têm o mesmo diploma não têm as mesmas competências, sobretudo por causa de suas experiências diversas;

- e, finalmente, não padronizado: os diplomas estão vinculados a universidades ou, a Estados, e não há sistema geral de equivalência entre diplomas de países diferentes.

O código oficial de reconhecimento dos saberes não oferece dupla articulação, nem, aliás, qualquer outra forma de articulação. Os diplomas não são compostos de elementos mais simples e reempregáveis numa outra sequência de elementos qualquer. São agregados molares indecomponíveis. Vários diplomas não formam uma unidade significante de nível superior, mas apenas uma justaposição bruta.

(LEVY, Piérre. O que é o virtual. Tradução de Paulo Neves – São Paulo: Ed. 43, 1996, pp. 90-1)


Toda vez que se reunia com os funcionários, um ex patrão meu se desmanchava em lágrimas, contando a história da família dele e de como haviam construído a empresa, praticamente do nada. 

O discurso quase comovia por um tempo, até que os empregados começassem a fazer reivindicações, como aumento de salário e melhoria das condições de trabalho. Então, o chorão embusteiro mostrava sua verdadeira face e esbravejava: 

“Vocês valem menos que o esperma do meu cavalo árabe. Dele, posso obter mais lucro com novos cavalos. De vocês, não se aproveita nada!”. 

Pode parecer surreal, mas é isso mesmo que o empresário do ramo de comunicações dizia aos seus funcionários: 

“De televisão, não entendo coisa alguma. É do meu haras, que vem a minha riqueza”.

Mas, enfim, preservemos a memória dos mortos e deixemo-los descansar em paz. Remexi nessas memórias, porque quase me comovi, novamente, com lágrimas de crocodilo de grandes embusteiros que pululam o cenário político nacional, nos dias de hoje.

Nesses tempos de crocodilagem máxima, um desses répteis quase soluçava enrolado à bandeira nacional, ao falar do pai, cuja figura é mesmo de fazer chorar de verdade. 

Mais recentemente, outro dos pilantras do jardim de infância, anão de jardim, ratazana dos buracos políticos de Brasília caiu no choro, mandando recados raivosos para a imprensa. O teatrinho também era para defender a ratazana-mor.

Enfim, já vi muita coisa nessa vida, e é preciso mais que um crocodilo branco chorando para me comover. Ainda, assim, cuidado senhoras e senhores incautos: não consumam de primeira discurso oficial ou de alto escalão.